Museu Dona Beja, localizado na cidade de Araxá |
Há lendas, contos, mitos por toda parte, mas Anna Jacintha de São José,“Dona Beja”existiu, e foi uma mulher que fez diferença e deixou marcas na historia de Araxá.
O estado de Minas Gerais abriga um cenário repleto de cultura, culinária, arte, folclore, histórias e muita “prosa”. O mineiro tem suas características típicas e sabe como ninguém receber seus convidados. Seja com um delicioso pão de queijo com café, ou com doces saborosos. Ao visitar a casa de um mineiro o aconchego, a boa recepção e um bom dedinho de prosa não podem faltar.
Toda essa cordialidade e agradável recepção estão presentes na cidade de Araxá, que fica no interior de Minas Gerais, em tupi-guarani significa “lugar alto onde primeiro se avista o sol”. Possui cerca de 90 mil habitantes, está localizada na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Em sua formação geológica, riquezas minerais como águas sulforosas e radioativas, a apatita e o nióbio. Na bacia do Barreiro viveram mamíferos pré-históricos, há milhares de anos. Além disso, Araxá é conhecida por suas águas, lamas e banhos terapêuticos. Os pontos turísticos mais visitados são o Grande Hotel do Barreiro, o Parque Nacional da Serra da Canastra, Parque do Cristo, Fonte Andrade, Horizonte Perdido, dentre outros lugares que retratam uma natureza exuberante e proporcionam tranquilidade e um bom descanso.
A partir de 1914 o município de Araxá fortaleceu-se como Pólo Turístico, com a inauguração do Complexo Termal - Grande Hotel e Balneário. Assim, a cidade cresceu junto com o turismo e é por meio dele que as pessoas de outras cidades e países se interessam em conhecer uma cultura requintada de museus, lazer e figuras históricas. Ao ressaltar figuras não podemos esquecer que a cidade abriga ilustres nomes como o pintor e escultor Calmon Barreto, a escrava Filomena (que segundo a tradição foi enterrada viva e após sua morte virou santa), e também há o mito Dona Beja.
Maitê Proença no papel de Dona Beja |
Ela foi uma mulher, digamos, diferente para os princípios do século XIX. Anna Jacintha de São José, a Dona Beja, nasceu em 1800, na cidade de Forminga-MG. Teve um único irmão, Francisco Antônio Rodrigues, e faleceu em 1873, em Estrela do Sul (antiga Bagagem, local onde despertou em Beja o garimpo de diamantes e também local onde teria sido encontrado prováveis restos mortais de um dos maiores símbolos de Araxá). Foi proprietária de terras, reconquistou territórios, negociou escravos e diamantes, dentre outras atividades que já mostravam indícios de que ela não era uma simples dona de casa como as mulheres de seu tempo.
A trajetória de Anna Jacintha tem muitas referências. Ela passou muitos anos na cidade de Araxá e a segunda metade da sua vida em Estrela do Sul (antiga Bagagem).Considerada uma das cidades mais antigas de Minas Gerais, Estrela do Sul, fica no município brasileiro do estado Minas Gerais. È também conhecida por ser a única cidade do Triângulo Mineiro e do Alto Paranaíba, que abriga o maior número de construções coloniais. Em 1816, o mérito da reconquista do território do Triângulo Mineiro para Minas Gerais foi dado a ela, quando a região pertencia a Goiás. São várias as gerações que contam esse episódio, momento em que viveu em Paracatu, depois de ter sido raptada pelo ouvidor Joaquim Inácio Silveira da Mota, quando este esteve em Araxá. Assim, Dona Beja teria voltado a Araxá para recomeçar a vida e no ano de 1819, quando sua filha Thereza Thomázia de Jesus foi batizada. Driblando as tradições da época, solteira teve uma segunda filha, nascida em 1838, de nome Joana de Deus de São José.
Dona Beja conseguiu alcançar uma posição social favorável mesmo sendo uma mulher solteira, analfabeta, e moradora do arraial de São Domingos do Araxá. Havia um sobrado construído em 1830, e Beja era a proprietária de tal estabelecimento, terreno onde concentravam-se a Câmara, a Igreja e as melhores casas da então Vila do Araxá. Além de proprietária de imóveis, foi proprietária de escravos, e a ela pertencia também a Chácara da Beija, popularmente conhecida com Chácara Jatobá.
Em torno de 1850, Dona Beja mudou-se para Bagagem, a fim de encontrar diamantes. Naquele momento Araxá passava por um momento de estagnação econômica, fase em que os conflitos políticos tinham reflexos e esses podiam ser sentidos e presenciados. Foi em Bagagem que, ao lado da filha Joana, do genro Clementino e dos netos fincou suas raízes e permaneceu até a sua morte. Seu testamento foi feito em 1869, mostrando uma mulher não possuidora de muitos bens, porém fielmente dedicada ao catolicismo.
Araxá é terra de onde primeiro se avista o sol, é terra de índios, é terra de “uais”, queijo e goiabada, é tradição, é Minas... É também terra de Maria, a dona de casa que trabalha e cuida dos filhos; de João, que sai cedo para trabalhar e chega à noite para jantar com a família; é terra também de Ana Jacintha de São José, a mulher que deixou seu caráter simbólico e fez história.
Conhecida por Beja ou Beija?
O apelido Dona Beja, ou Beija, nas documentações existentes apareceu somente no final do século XIX, em 1873, após a morte de nossa personagem. Anna Jacintha, antes de falecer, era identificada nos documentos oficiais pelo próprio nome e, obviamente, não pelo apelido. Os critérios para eleição do nome ficaram de acordo com cada autor, seja o significado do apelido à beleza da flor “beijo” (nome popular do hibisco) ou à ave “beija flor” (que de acordo com Aurélio Buarque de Holanda alimenta-se de insetos minúsculos e do néctar das flores).
Música
Sua história foi musicada por Aurinho da Ilha e cantada por José Bispo (Jamelão) em 1968, no enredo “Dona Beija, a Feiticeira de Araxá”, tema da escola de samba carioca Salgueiro, em 1968. Seu nome também teve repercussão no samba-enredo “Araxá- Lugar alto onde primeiro se avista o sol”, da Beija Flor de Nilópolis (RJ), cantado por Luiz Antônio Feliciano (Neguinho da Beija Flor), em 1999.
Pertences de Dona Beja |
A marca de Dona Beja
Carlos Henrique Vieira, monitor do museu criado em sua homenagem, conta sobre o comércio e sobre pertences de Dona Beja: “O museu tem 46 anos. Desde sua fundação com Assis Chateaubriand, em 1965, é o mito de Dona Beja e os indícios de que ela foi uma mulher à frente de seu tempo que atraem turistas de longe até aqui. O museu tem objetos que foram de uso pessoal dela, como uma balança de cobre, um medalhão do sagrado coração de Jesus em ouro e documentos. Existem mais peças e objetos que não foram dela, mas que ilustram o século XIX. O nome já caiu em domínio publico, assim existem vários produtos que carregam seu nome no comércio de Araxá: café, cachaça, mussarela, queijo e doces. Sendo assim, todos esses produtos são tradicionais da nossa cidade e adotaram o nome Dona Beja como marca.”
Produtos com o nome de Dona Beja |
Mais que um mito
Raquel Costa, professora de História, acredita que Dona Beja virou mito, pois não era uma mulher comum e fala um pouco sobre suas aptidões e trajetória: “Depois do romance (ficção) ‘A vida em flor de Dona Beja’, escrito por Agripa Vasconcelos, e após a telenovela exibida na Manchete em 1986, o nome e um pouco da história de Dona Beja tiveram uma maior repercussão. Ao contrário do que todos acham ou sabem por meio da ficção, na realidade não há pesquisas que comprovem que Dona Beja foi uma cortesã, tampouco uma mulher conhecida por encantar muitos homens, devido sua beleza. Foi mãe solteira, teve duas filhas: Thereza Thomázia e Joana de Deus. Estudando sua história mais afundo, não a vejo como a mídia mostrou ou a internet, ou mesmo livros romancistas. Dona Beja foi uma mulher inteligente, proprietária, excelente negociadora de escravos, lutava para melhoria de sua cidade. Herdou terras, participava de reuniões em sua chácara, teve um grande interesse na garimpagem de diamantes, contribuiu financeiramente para a construção da ponte do rio Bagagem. Participou tanto da vida política, que conseguiu casar suas duas filhas com homens influentes e tradicionais daquela época. Mais do que um mito, ela era uma mulher que lutava pelos seus ideais.”